Introdução
O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é de competência municipal e, em regra, incide sobre a transmissão onerosa de imóveis. Contudo, a Constituição Federal, no artigo 156, §2º, I, prevê imunidade tributária para os casos em que imóveis são transferidos para integralização de capital social.
Nos últimos anos, muitos municípios passaram a interpretar de forma equivocada o Tema 796 do STF, cobrando ITBI sobre a diferença entre o valor venal do imóvel e o valor efetivamente integralizado ao capital social da empresa. Essa interpretação, no entanto, foi corrigida pelo Supremo Tribunal Federal em decisões recentes de 2024, que trouxeram importantes esclarecimentos sobre a matéria.
O que dizia o Tema 796
O Tema 796 do STF tratou da seguinte questão:
“Alcance da imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor total desses bens exceder o limite do capital social a ser integralizado.”
No caso concreto que originou o Tema, o debate não girava em torno da diferença entre o valor venal e o valor da integralização em si, mas sim da destinação da parcela excedente para formação de ágio de subscrição (reserva de capital). Foi a partir dessa situação específica que se firmou a tese de que a imunidade não alcançaria essa parcela excedente.
Apesar disso, muitos municípios passaram a aplicar o precedente de forma indevida, exigindo ITBI sobre diferenças inexistentes no caso analisado pelo STF.
A interpretação equivocada dos municípios e tribunais
Exemplo da aplicação distorcida pode ser observado em decisões do TJ-SP, que, amparado em leitura restritiva do Tema 796, passou a permitir a cobrança do ITBI sobre o suposto valor excedente:
- Exemplo prático equivocado
- Valor venal do imóvel: R$ 100 mil
- Valor da integralização: R$ 10 mil
- Diferença considerada tributável: R$ 90 mil
Essa linha de raciocínio acabou contaminando inúmeros julgados, criando insegurança jurídica para planejamentos patrimoniais e sucessórios, além de operações societárias legítimas.
Os recentes esclarecimentos do STF
Para corrigir esse equívoco, o STF, em 2024, analisou dois novos casos e reafirmou os limites corretos da incidência do ITBI.
ARE 1.485.056/GO (Rel. Min. Edson Fachin)
Nesta decisão, o Supremo reconheceu que o contribuinte pode optar por integralizar o capital social pelo valor declarado no IRPF ou pelo valor de mercado, conforme o artigo 23 da Lei 9.249/1995.
- Assim, não cabe ao município tributar a diferença entre o valor declarado e o valor venal, pois essa cobrança não encontra respaldo constitucional.
RE 1.449.120/MS (Rel. Min. Gilmar Mendes)
Neste julgamento, o ministro Gilmar Mendes esclareceu que a tese firmada no Tema 796 não pode ser aplicada de maneira indiscriminada. O caso originário tratava de reserva de capital — situação completamente distinta da integralização simples de imóvel.
Ou seja, não existe autorização para os municípios cobrarem ITBI sobre diferenças inexistentes; a imunidade continua abrangendo todo o valor destinado à integralização de capital, desde que não haja formação de reserva.
Considerações finais
As decisões do STF em 2024 restabelecem a correta interpretação sobre o alcance do Tema 796:
- A imunidade prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal não permite a cobrança de ITBI sobre a diferença entre valor declarado e valor de mercado.
- O precedente do Tema 796 diz respeito apenas a situações em que há destinação do excedente para reserva de capital, não podendo ser aplicado a qualquer integralização de imóveis.
Portanto, os contribuintes que enfrentarem exigências indevidas de ITBI sobre tais diferenças possuem sólido fundamento jurídico para contestar a cobrança, amparados pela Constituição, pelo artigo 23 da Lei 9.249/1995 e pelas recentes decisões do STF.