GS Escritório de Advocacia

A ilegalidade da cobrança de ITBI sobre diferença entre valor de mercado e valor declarado

O problema criado por alguns municípios

Nos últimos anos, alguns municípios começaram a adotar uma prática questionável: cobrar ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) não apenas sobre o valor declarado da operação, mas também sobre a diferença entre o valor de mercado e o valor informado no imposto de renda.

Na prática, trata-se de uma cobrança abusiva. Imagine, por exemplo, um produtor rural que adquiriu uma fazenda por R$ 100 mil e, anos depois, esse imóvel passa a valer R$ 10 milhões. Caso o município cobre ITBI sobre a diferença entre esses valores, o contribuinte se vê em um beco sem saída: se utilizar o valor de mercado, paga um imposto de renda sobre ganho de capital altíssimo; se utilizar o valor declarado, o município exige o ITBI adicional.

Essa postura municipal é equivocada, pois contraria uma política de Estado voltada justamente para a imunidade do ITBI em determinados casos, sendo um “jeitinho” de aumentar arrecadação.

A base de cálculo do ITBI segundo a lei

A legislação tributária é clara. O artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a base de cálculo do ITBI é o valor venal do bem.

Aqui surge uma confusão comum: alguns doutrinadores menos cuidadosos associam “valor venal” diretamente a “valor de mercado”. Isso é um erro. Valor venal significa valor da operação. Assim:

  • Se a operação foi feita pelo valor de mercado, esse será o valor venal.
  • Se a operação foi registrada pelo valor constante na declaração de imposto de renda, esse será o valor venal.
  • Se a operação foi realizada por outro valor (por exemplo, R$ 24 mil), esse será o valor venal.

Portanto, não cabe ao município substituir a base de cálculo pelo “valor de mercado” sempre que considerar conveniente.

O limite da atuação do município

O município só pode questionar ou arbitrar a base de cálculo em casos muito específicos, previstos no artigo 148 do CTN, que trata do lançamento por arbitramento.

Segundo a lei, isso só ocorre quando:

  1. O valor declarado é omisso; ou
  2. O valor declarado não merece fé.

Se o valor está expresso em contrato ou autorizado por lei, não há omissão nem falta de credibilidade. Logo, não há base legal para o município realizar revisão. Qualquer tentativa nesse sentido constitui ato ilícito e inconstitucional.

O posicionamento do STJ

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica quanto ao tema. Diversas decisões já consolidaram que o valor da operação, desde que não omisso e digno de fé, deve prevalecer como base de cálculo.

Um exemplo recorrente envolve arrematações em leilão judicial. Imagine um imóvel avaliado em R$ 1 milhão arrematado por R$ 300 mil. Nesse caso, a prefeitura não pode exigir ITBI com base no valor de mercado. O STJ entende que o valor declarado no auto de arrematação é válido, pois foi autorizado por decisão judicial, sendo digno de fé.

Esse entendimento está consolidado em inúmeros julgados e não admite divergência.

O precedente paradigmático: EResp 1.517.492/PR

Entre as decisões, destaca-se o EREsp 1.517.492/PR, relatado pelo ministro Og Fernandes. Nesse precedente, o STJ reafirmou que um ente federativo não pode obstruir a política de incentivo fiscal de outro.

A União, ao estabelecer a imunidade do ITBI em determinados casos e a não incidência do imposto de renda sobre certas operações, institui uma política tributária de Estado. O município não pode desvirtuar essa política criando uma incidência indevida sobre o valor de mercado.

Em outras palavras: ao adotar essa prática, o município viola a Constituição, pratica ato de expropriação indireta e cria uma tributação inconstitucional.

Conclusão

A cobrança de ITBI sobre a diferença entre valor de mercado e valor declarado é ilegal e inconstitucional. O CTN é claro quanto à base de cálculo do imposto e o STJ já consolidou sua jurisprudência no sentido de prestigiar o valor da operação, desde que expresso e digno de fé.

Mais do que um debate técnico, trata-se de assegurar segurança jurídica e respeito às políticas de Estado, evitando que municípios adotem medidas arrecadatórias abusivas que prejudicam contribuintes e desestabilizam o sistema tributário nacional.

Rolar para cima