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Avaliação a Valor Justo (AVJ), ITBI e Tributação: Verdades, Mitos e Planejamento Lícito


A aplicação do critério de Avaliação a Valor Justo (AVJ) em ativos, especialmente imóveis, levanta diversas dúvidas no meio jurídico e contábil, principalmente quanto à eventual tributação futura sobre esse ajuste. Muitos profissionais manifestam preocupação com a suposta incidência de 34% de tributos (IRPJ e CSLL) sobre o AVJ, principalmente em cenários de cisão, venda ou desincorporação de ativos.

Este artigo tem o objetivo de esclarecer, com base na legislação e em exemplos práticos, que não há tributação imediata sobre a criação do AVJ, tampouco no momento de baixa do ativo. Também discutiremos os riscos e legitimidade do planejamento tributário envolvendo cisão parcial de empresas com ativos imobiliários.


O que diz a legislação sobre o AVJ?

De acordo com o art. 388 da Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017, baseado na Lei nº 12.973/2014:

“O ganho decorrente de avaliação de ativo ou passivo com base no valor justo não será computado para fins de determinação do lucro real, desde que evidenciado em subconta vinculada.”

Ou seja, não há incidência imediata de IRPJ e CSLL sobre o valor reconhecido como AVJ, desde que esse valor seja registrado corretamente.

Ainda segundo o §1º do mesmo artigo, esse ganho só será tributado quando o ativo for efetivamente realizado, como no caso de alienação, baixa, depreciação ou amortização. Já o §2º prevê que, caso a realização não gere dedutibilidade, o ganho também não será computado no lucro real.


Exemplo prático: Lucro Real

Vamos a um exemplo para ilustrar a neutralidade tributária do AVJ:

Premissas:

  • Valor de aquisição do terreno: R$ 300.000
  • Valor de mercado (AVJ): R$ 700.000
  • Valor de alienação: R$ 2.000.000

Etapas contábeis:

  1. Aporte do terreno na empresa:
    • D: Terreno / C: Capital – R$ 300.000
  2. Reconhecimento do AVJ:
    • D: Terreno AVJ / C: Ajuste de Avaliação Patrimonial (PL) – R$ 700.000
  3. Capitalização do AVJ:
    • D: Ajuste de Avaliação Patrimonial / C: Capital – R$ 700.000
      (Registrado na Parte B do LALUR)
  4. Venda do terreno:
    • D: Banco / C: Receita não operacional – R$ 2.000.000
  5. Baixa contábil do ativo:
    • D: Despesa não operacional / C: Terreno – R$ 300.000
    • D: Despesa não operacional / C: Terreno AVJ – R$ 700.000
  6. Apuração do lucro:
    • Receita: R$ 2.000.000
    • Despesas: R$ 1.000.000
    • Lucro contábil: R$ 1.000.000
  7. Apuração do Lucro Real:
    • Adição Parte A LALUR: R$ 700.000
    • Lucro real total: R$ 1.700.000

Conclusão: O lucro tributável seria o mesmo, com ou sem AVJ. O AVJ não gera ganho tributável por si só.


Exemplo prático: Lucro Presumido

Premissas:

  • Imóvel não integra atividade operacional da empresa
  • Custo: R$ 300.000
  • AVJ: R$ 700.000
  • Venda: R$ 2.000.000

Lançamentos:

  • Registro do imóvel e AVJ em conta patrimonial
  • Venda registrada como receita não operacional
  • Baixa do ativo (custo + AVJ)

Ganho tributável:

  • Receita: R$ 2.700.000
  • Baixa: R$ 1.000.000
  • Ganho: R$ 1.700.000

Se o AVJ não fosse registrado, o resultado seria o mesmo. O AVJ, mais uma vez, não aumenta a base tributável por si só.


AVJ em operações de cisão parcial: planejamento ou risco?

Um ponto sensível é o uso do AVJ em operações de cisão parcial, em que ativos imobiliários são transferidos para uma nova empresa (cindenda), que passa a operar no setor imobiliário.

Exemplo de Balanço Pré e Pós-Cisão:

Antes da cisão:

  • Capital: R$ 400.000
  • Terreno: R$ 1.000.000 (R$ 300.000 + AVJ de R$ 700.000)
  • Banco: R$ 100.000

Após a cisão:
Na cindida, restam apenas R$ 100.000 em capital e banco.
Na cindenda, o terreno é registrado como ativo circulante (estoque), sinalizando que será destinado à revenda.

O que o fisco entende?

A Receita Federal e o CARF já apontaram autuações em operações assim estruturadas, por entenderem que podem configurar:

  • Planejamento tributário abusivo
  • Simulação com objetivo de elisão indevida
  • Mudança de natureza do ativo apenas para pagar menos tributo

Nessa interpretação, ao transformar um ativo imobilizado (não circulante) em estoque (circulante) por meio da cisão, o contribuinte estaria apenas tentando substituir a tributação de ganho de capital (IRPJ + CSLL = 34%) por alíquotas menores do lucro presumido, que podem variar de 5,93% a 6,73%.


A legalidade do planejamento e o limite do fisco

No entanto, nem toda cisão com essa estrutura configura fraude ou simulação. O planejamento é lícito desde que:

  • A nova empresa cindenda efetivamente exerça atividade imobiliária
  • Haja continuidade operacional
  • A cisão não seja um ato isolado apenas para uma venda pontual

O TRF-4, em decisão de 2019, reafirmou esse entendimento. O Desembargador Relator Rômulo Pizzolatti, citando o Conselheiro do CARF Luiz Flávio Neto, concluiu:

“A reorganização patrimonial realizada por meios jurídicos válidos, mesmo que gere economia tributária, não pode ser desconsiderada pelo fisco, sob pena de violação à liberdade econômica e ao princípio da legalidade tributária.”


Conclusão

A Avaliação a Valor Justo é um procedimento contábil plenamente aceito e neutro do ponto de vista tributário, tanto na sua criação quanto em sua realização. Sua utilização não gera, por si só, incidência de IRPJ ou CSLL.

Quanto às operações de cisão parcial, o planejamento tributário é legítimo, desde que fundado em objetivos reais de reorganização e continuidade operacional. A simples busca por eficiência fiscal não é vedada pela legislação. Contudo, operações artificiais ou simuladas estão sujeitas à fiscalização e autuação.


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