Introdução
A doação de bens em vida, especialmente imóveis, com cláusula de reserva de usufruto, é amplamente utilizada no Brasil como ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório. No entanto, o que muitos ignoram é que essa prática pode trazer sérias consequências fiscais futuras para os herdeiros. Neste artigo, você entenderá por que essa modalidade de doação pode não ser tão vantajosa quanto parece — e como ela pode, na verdade, aumentar o custo da sucessão familiar.
A Estrutura Jurídica: Nua Propriedade x Usufruto
Para compreender os impactos tributários dessa operação, é necessário entender a divisão jurídica de um bem doado com reserva de usufruto. Ao realizar esse tipo de doação, o doador transfere a nua propriedade ao donatário (normalmente um filho), mas mantém para si o usufruto, ou seja, o direito de uso e fruição do bem enquanto estiver vivo.
A nua propriedade é o direito de ser proprietário do bem, mas sem usufruí-lo de fato. Já o usufruto confere o direito de usar, gozar, colher frutos e até reaver o bem em caso de posse indevida por terceiros.
A Tributação Dividida entre a Nua Propriedade e o Usufruto
Na prática, essa separação jurídica reflete também na tributação:
- Quando a doação com reserva de usufruto é realizada, incide o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) apenas sobre o valor atribuído à nua propriedade.
- O valor do usufruto permanece no nome do doador, e não é tributado no momento da doação.
Essa estratégia pode parecer economicamente vantajosa no primeiro momento, já que o valor da nua propriedade é inferior ao valor total do imóvel, reduzindo o imposto inicialmente pago.
A Armadilha na Extinção do Usufruto
O problema surge no momento da extinção do usufruto, normalmente após o falecimento do doador. Nessa ocasião, o cartório exigirá:
- A certidão de óbito do usufrutuário;
- A averbação da extinção do usufruto;
- E — o ponto mais crítico — a comprovação do pagamento do ITCMD sobre o usufruto agora extinto.
Isso significa que o herdeiro terá que pagar novamente o imposto, agora sobre a parte do bem que não foi transferida anteriormente — o valor do usufruto. Só que existe um agravante: a valorização do imóvel ao longo do tempo.
O Impacto da Valorização do Imóvel
Imagine o seguinte cenário:
- Hoje, você doa a nua propriedade de um imóvel no valor de R$ 1 milhão.
- Dependendo do estado, o imposto será calculado apenas sobre parte desse valor — digamos, 50% (R$ 500 mil).
- Anos depois, quando ocorre a extinção do usufruto, o imóvel está avaliado em R$ 5 milhões.
O que acontece?
- Seu filho pagará o ITCMD sobre os R$ 2,5 milhões restantes, valor atual correspondente à parte do usufruto.
- E o imposto será calculado com base nas alíquotas vigentes naquele momento — que podem ser muito maiores do que aquelas aplicadas na doação original.
Variações Estaduais e Alíquotas Progressivas
A situação pode ser ainda mais onerosa dependendo do estado:
- Em estados como Pernambuco, a tributação pode ocorrer em frações, como 1/3 da base de cálculo na doação e os 2/3 restantes na extinção do usufruto.
- Já na Bahia, Paraná e Santa Catarina, pode haver uma divisão 50/50 entre nua propriedade e usufruto.
- Além disso, estados aplicam alíquotas progressivas de acordo com o valor do bem — por exemplo, de 2%, 4%, 6% e até 8%.
Ou seja, além da base de cálculo maior, os herdeiros podem enfrentar alíquotas mais altas na extinção do usufruto, encarecendo ainda mais a operação.
Um Custo Elevado com a Falsa Sensação de Segurança
Muitos acreditam que ao doar o imóvel com reserva de usufruto, estão resolvendo a sucessão patrimonial em vida. Porém, isso é uma falsa sensação de segurança. A sucessão do usufruto ainda exigirá:
- Pagamento de imposto;
- Averbações em cartório;
- Procedimentos burocráticos complexos;
- E, em alguns casos, até a necessidade de venda do imóvel para quitar tributos — especialmente se os herdeiros não tiverem liquidez para arcar com o custo do ITCMD.
Se o pagamento não for feito imediatamente, incidem multas e juros, e o bem continua se valorizando, o que apenas agrava o problema com o tempo.
Ainda há o fato de que a maioria das doações são realizadas com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, ou seja, depois de doado o bem, não é possível desfazer a doação.
Conclusão: Planeje com Consciência
A doação com reserva de usufruto pode parecer uma boa solução, mas deve ser analisada com muito cuidado. O impacto fiscal futuro para a sua família pode ser extremamente oneroso, especialmente em um cenário de valorização imobiliária.
✅ Avalie outras formas de planejamento sucessório;
✅ Consulte um especialista em direito tributário e planejamento patrimonial;
✅ Considere o custo total da operação — não apenas o imediato.