Muito se fala em holding familiar como ferramenta de “blindagem patrimonial”. No entanto, é fundamental esclarecer: blindagem patrimonial não existe para pessoas físicas no direito brasileiro. O que existe é a possibilidade de estruturar mecanismos jurídicos que reduzam riscos e protejam o patrimônio, mas sempre dentro de limites legais.
Neste artigo, vou explicar as diferenças entre blindagem e proteção patrimonial, como o Poder Judiciário enxerga o tema, o impacto da Lei da Liberdade Econômica e de que forma a holding familiar pode ser utilizada corretamente para garantir segurança e continuidade patrimonial.
Blindagem x Proteção Patrimonial: Qual a Diferença?
Apesar de muito utilizadas no mercado, as expressões blindagem patrimonial e proteção patrimonial não são institutos jurídicos, mas conceitos.
- Proteção patrimonial: busca criar barreiras para que riscos do dia a dia não atinjam o patrimônio familiar.
- Blindagem patrimonial: sugere a existência de uma barreira absoluta e impenetrável, como se fosse um “muro intransponível”.
O problema é que o Judiciário não reconhece a ideia de blindagem absoluta. Pelo contrário, em muitos casos, considera tentativas de blindagem como ocultação de patrimônio, um expediente ardil para evitar o pagamento de dívidas.
Por Que Blindagem Patrimonial Não É Aceita?
O exemplo ajuda a entender:
- Se uma pessoa doa um bem antes do surgimento de uma dívida, a operação é lícita e o patrimônio pode ficar fora do alcance de credores futuros.
- Se a doação ou transferência ocorre após o surgimento da dívida ou no curso da execução, trata-se de fraude contra credores. Nesse caso, o Judiciário pode desfazer o ato.
Ou seja, proteger-se antes de problemas é possível e legítimo. Tentar se livrar de dívidas já existentes, não.
A Lei da Liberdade Econômica e a Autonomia Patrimonial
A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) trouxe mudanças importantes ao Código Civil, como a inclusão do artigo 49-A, que reconhece a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas como instrumento lícito de segregação e alocação de riscos.
Isso significa que empresas podem isolar riscos de sua atividade econômica em razão da separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios.
No entanto, é importante destacar: essa proteção é da pessoa jurídica, não da pessoa física. Logo, transferir bens pessoais para uma holding familiar não cria blindagem automática contra credores.
Como a Holding Familiar Garante Proteção Patrimonial
A proteção patrimonial por meio de uma holding familiar só acontece quando são realizados atos jurídicos válidos e prévios, com foco em dois objetivos principais:
- Evitar o inventário: garantindo sucessão organizada, com menos custos e conflitos.
- Reduzir riscos sobre o patrimônio: utilizando cláusulas jurídicas que impedem a penhora indevida.
Um exemplo essencial é a cláusula de impenhorabilidade, prevista no artigo 833, inciso I, do Código de Processo Civil.
Segundo esse dispositivo, são impenhoráveis:
- Bens inalienáveis por natureza;
- Bens declarados impenhoráveis por ato voluntário.
Assim, ao transferir cotas da holding para um herdeiro com cláusula de impenhorabilidade, esse patrimônio fica protegido tanto de riscos pessoais do doador quanto de eventuais problemas futuros do próprio herdeiro.
O Papel da Cláusula de Impenhorabilidade
A cláusula de impenhorabilidade é o verdadeiro mecanismo que possibilita a proteção patrimonial dentro de uma holding familiar.
- Sem essa cláusula, as cotas podem ser atingidas em execuções.
- Com a cláusula, o patrimônio fica fora do alcance de credores, salvo em exceções legais (como créditos tributários e trabalhistas, que também podem ser tratados com soluções jurídicas adequadas).
É importante ressaltar que o advogado que estrutura a holding deve estar atento: sem cláusula de impenhorabilidade, não há efetiva proteção patrimonial.
Conclusão: Proteção Sim, Blindagem Não
A grande lição é que blindagem patrimonial é um mito no direito brasileiro para pessoas físicas. O que existe é proteção patrimonial, que precisa ser construída preventivamente, de forma transparente e lícita.
A holding familiar é um excelente instrumento, desde que utilizada corretamente, com cláusulas específicas e observância do ordenamento jurídico.
Mais do que criar uma “barreira intransponível”, a ideia é organizar, prevenir riscos e garantir segurança jurídica para a família e seu patrimônio.