A previsão constitucional do ITCMD
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) está previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, que trata da competência tributária dos estados. Esse dispositivo confere aos estados a responsabilidade de instituir o tributo sobre heranças e doações.
O §1º, inciso IV, do mesmo artigo estabelece que cabe ao Senado Federal fixar a alíquota máxima do ITCMD. Essa fixação é feita por meio de resolução, um processo mais célere que a tramitação legislativa comum, dispensando sanção do Executivo. Ou seja, uma vez aprovada a resolução, a alíquota máxima definida passa a ter validade imediata.
Atualmente, vigora uma resolução editada em 1992, que determinou a alíquota máxima de 8% para o ITCMD em todo o território nacional.
A aplicação das alíquotas ao longo do tempo
Apesar da autorização constitucional, por muitos anos a maioria dos estados brasileiros aplicou alíquotas inferiores à máxima. Apenas três estados, Bahia, Ceará e Santa Catarina, sempre utilizaram o teto de 8%. Os demais estados mantinham percentuais mais baixos.
Esse cenário começou a mudar a partir de 2015, quando a crise econômica desencadeada pela operação “Lava Jato” e pela queda do setor de petróleo afetou severamente as finanças públicas. O desemprego aumentou, diversas empresas fecharam e os estados enfrentaram forte queda na arrecadação.
Diante desse quadro, os governos estaduais buscaram alternativas para reforçar suas receitas, e o ITCMD tornou-se um alvo natural. Como muitos ainda cobravam alíquotas de 4% ou 5%, começaram a elevar progressivamente até o limite permitido de 8%. O Rio de Janeiro, por exemplo, passou a aplicar a alíquota máxima em 2017.
A proposta de aumento para até 20%
Em meio à crise, os secretários estaduais de Fazenda, reunidos no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), aprovaram por unanimidade uma proposta de resolução para o Senado Federal autorizando que a alíquota máxima do ITCMD passe de 8% para 20%.
O argumento utilizado é de que o imposto recai, em tese, sobre os mais favorecidos economicamente. Afinal, quem não possui patrimônio não tem bens a transmitir por herança ou doação. Dessa forma, o ITCMD seria uma alternativa para evitar o aumento da carga tributária sobre o consumo, que afeta desproporcionalmente as classes mais pobres por meio do ICMS.
Muito embora tenha sido aprovada no CONFAZ, a medida ainda pende de aprovação no Senado.
O impacto real: quem paga a conta?
Embora o discurso oficial seja de que o ITCMD atinge os mais ricos, na prática não é exatamente isso que ocorre. Grandes fortunas, de famílias que acumulam patrimônio há gerações, geralmente utilizam estruturas como holdings familiares, trusts, off shores e fundos de investimento para organizar seus bens e evitar a incidência direta do imposto.
Assim, quem acaba sendo impactado são empresários de classe média ou média alta, produtores rurais que prosperaram ao longo da vida, artistas e jogadores de futebol que conquistaram patrimônio por esforço próprio. São essas pessoas que efetivamente realizam doações ou deixam heranças passíveis de tributação direta pelo ITCMD.
Portanto, o aumento do imposto tende a recair mais fortemente sobre quem conseguiu acumular patrimônio ao longo de uma geração, e não sobre aqueles que historicamente já possuem sistemas sofisticados de planejamento patrimonial.
Comparação internacional: Brasil tributa pouco?
Outro argumento utilizado para justificar o aumento é que o Brasil está entre os países que menos tributam heranças no mundo. Enquanto aqui a alíquota máxima é de 8%, em países como Japão, França, Alemanha, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos a tributação varia entre 40% e 55%. No Chile, por exemplo, as alíquotas podem chegar a 25%.
À primeira vista, essa comparação parece reforçar a necessidade de aumento. No entanto, é preciso compreender que, em muitos desses países, a função principal da tributação elevada não é arrecadar, mas desestimular determinadas condutas econômicas.
Quando a alíquota é de 50% ou mais, a intenção não é tributar diretamente a herança, mas forçar os contribuintes a reorganizar seus bens em pessoas jurídicas ou fundos, retirando-os da esfera da pessoa física. Isso gera movimentação econômica, já que empresas contratam, investem, compram e vendem, enquanto patrimônios pessoais tendem a permanecer parados.
O papel do ITCMD como instrumento econômico
Sob essa ótica, o ITCMD deixa de ser apenas uma fonte de arrecadação e passa a ser utilizado como mecanismo de estímulo à economia. Países desenvolvidos utilizam alíquotas elevadas como uma forma de “empurrar” o patrimônio para estruturas jurídicas que mantêm o capital em circulação, gerando empregos e investimentos.
Esse raciocínio foi reforçado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em uma resolução recente, a entidade recomendou que países em desenvolvimento utilizem a tributação sobre heranças e doações como ferramenta para a recuperação econômica pós-pandemia da Covid-19.
O objetivo, segundo a OCDE, não é simplesmente aumentar a carga tributária, mas incentivar que famílias reorganizem seus bens em pessoas jurídicas, favorecendo o giro econômico e a retomada do crescimento
O ITCMD como instrumento de estímulo e não apenas de arrecadação
O ponto central da discussão sobre o ITCMD não está apenas em sua capacidade arrecadatória, mas em seu uso como ferramenta de estímulo econômico. A elevação das alíquotas, especialmente em países que chegam a tributar heranças em 40% ou 50%, não tem como foco principal arrecadar mais, mas sim inibir determinadas condutas patrimoniais, forçando a migração de bens da pessoa física para estruturas jurídicas.
Dessa forma, o imposto cumpre uma função indireta: induzir o giro econômico, já que patrimônios pessoais tendem a permanecer parados, enquanto pessoas jurídicas movimentam recursos, contratam, investem e geram desenvolvimento.
A inevitabilidade do aumento
Apesar das críticas, há um consenso entre especialistas de que o aumento da alíquota do ITCMD no Brasil é apenas uma questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde, o limite de 8% será substituído por patamares mais altos, possivelmente chegando a 20%, conforme já proposto pelo CONFAZ ao Senado Federal.
Essa mudança terá efeitos profundos sobre as famílias brasileiras. Embora a nova lei não possa retroagir — ou seja, inventários já abertos antes de sua vigência não serão afetados —, patrimônios transmitidos após a mudança estarão sujeitos às novas alíquotas.
Isso significa que heranças que hoje enfrentam uma carga total de até 40% em custos e perdas processuais poderão, com a simples elevação do ITCMD para 20%, ultrapassar esse patamar, comprometendo severamente o patrimônio de muitas famílias.
O impacto sobre as famílias e a “calça curta” dos inventários
Inventários já são, atualmente, processos caros e burocráticos. Com o ITCMD em 8%, as despesas podem representar até 40% do patrimônio envolvido. Caso a alíquota chegue a 20%, o peso financeiro se tornará ainda mais devastador.
O resultado será que muitas famílias, despreparadas para essa nova realidade, acabarão “pegas de calça curta” e verão parte significativa do patrimônio ser consumida pelos custos tributários e judiciais. Esse empobrecimento, além de dramático no âmbito pessoal, representa também um entrave para a manutenção e a continuidade de empresas familiares e atividades produtivas.
A holding familiar como alternativa
Nesse cenário, a holding familiar desponta como principal mecanismo de planejamento patrimonial. O que muitas pessoas não percebem é que a constituição de uma holding envolve o mesmo imposto do inventário — o ITCMD —, mas aplicado de forma muito mais estratégica.
A transmissão de cotas sociais para os herdeiros ocorre por meio de doação, cercada de cláusulas que preservam o controle e a segurança do doador. Embora o tributo seja o mesmo, a economia pode chegar a 90% em relação ao inventário tradicional.
É verdade que, se o inventário encarecer, a constituição da holding também se tornará proporcionalmente mais cara. Afinal, 10% de um valor muito alto ainda representa uma quantia relevante. No entanto, em termos absolutos, a economia continuará sendo expressiva e fará diferença para a preservação do patrimônio familiar.
Um chamado à conscientização e à ação
Não se trata de torcer pelo aumento do imposto para que mais famílias busquem soluções jurídicas. Pelo contrário: a simples ameaça já é suficiente para que os profissionais da área alertem seus clientes sobre a necessidade de se organizar.
Quanto mais cedo as famílias tomarem consciência da provável elevação do ITCMD, maior será a possibilidade de agir preventivamente, adotando estruturas de planejamento patrimonial que mitiguem os efeitos do aumento.
A mensagem, portanto, é clara: o ITCMD vai aumentar. E quando isso acontecer, as famílias que não se anteciparem sentirão o peso imediato no bolso. Por isso, o papel dos profissionais especializados em holdings familiares é fundamental: ajudar as famílias a compreender o risco e a se proteger contra os impactos de um sistema tributário em transformação.